Inês DUARTE
O teu envolvimento com a música vai para além do DJing e da produção. Estudas a música não só na sua essência mas também a nível técnico e científico. Como cruzas todas estas componentes?
Bom, infelizmente a nível científico não posso dizer que sei muito de música em si, tenho apenas noções básicas de teoria e solfejo. Mas a nível do áudio sim, formei-me como técnica de som e mais tarde cursei Tecnologias da Música no Escola Superior de Música de Lisboa embora não tenha acabado o curso – desisti porque se focava de menos no estúdio e demais na electrónica chata, para mim.
O áudio acaba por ser central ao DJing e à produção musical… não consigo separar o conhecimento adquirido nele de nada do que faça relacionado com a música. É como se não gostasse de perder nem a feijões, carrego um brio extra em prestar atenção ao pormenor técnico, especialmente como DJ. Se funciona ou não, não sei, mas não interessa tocar no melhor PA do mundo se depois não se tem sensibilidade e conhecimento para fazer o básico: acertar níveis, equalização cuidada, utilização correcta da mesa de mistura… claro que não é preciso ser técnico para isso, mas dá jeito para tudo. Já para a parte da produção musical, o conhecimento está todo interligado.
Quem te acompanha sabe que tens uma forte ligação (por vezes apelidada de militante) à “cena” clubbing, não só como DJ, mas também como ouvinte. Como começou este envolvimento, e o que te levou a querer misturar e produzir música?
Sempre me lembro de gostar de música… como qualquer criança. Aos 12 descubro a música electrónica com um CD de UK Hardcore (Prodigy, Sons of Loop de Loop, etc). Daí passei para o jungle, breakbeat, trip-hop, e finalmente aterro no House.
Comecei a produzir música electrónica antes de ser DJ, comecei aos 12 ou 13 a explorar e mais tarde (de forma séria), aos 16 anos, fiz umas bandas sonoras para curtas de animação, que andaram mundo fora em alguns festivais. Depois fartei-me porque os meus conhecimentos de “score to video” eram demasiado rudimentares, eu não tinha equipamento e não havia dinheiro a entrar das curtas, tinha um computador antiquíssimo com um monitor CRT de 14” e era ali que ia trabalhando no Ableton Live e num player de video, apontando à mão os segundos e minutos do vídeo para fazer corresponder no áudio.
Fartei-me, mas fui sempre brincando e fazendo música, para mim, sem vontade sequer de editar ou de me mostrar, sempre que tal aconteceu foi por incentivo externo… aprendi tudo por carolice e curiosidade, agora há tutoriais para tudo no youtube mas há 16 anos não havia Youtube, nem Wikipedia. Existiam alguns fóruns, mas a tentativa e erro estiveram na base de 80% do que sei.
Já a pôr música, também nunca foi uma coisa declarada, na minha adolescência quando comecei a ouvir música electrónica não acompanhei isso com saídas à noite, os DJs para mim eram inúteis, a música ouvia-se em casa. Depois aos 18 anos isso muda tudo, começo a perceber o que é a experiência da festa e da dança, e em 2008 oiço o Dixon no Pitch no Porto – foi tão bom e marcou-me tanto que saí da festa a pensar “quero ser DJ, quero dar às pessoas o que este gajo me deu a mim”. Ou seja, o meu maior incentivo para ser DJ foi fazer os outros felizes, ou espalhar felicidade, por mais clichê que seja. E a verdade é que já tinha comprado uns pratos rasca para casa, e uma mesa de mistura, mas eram só brincadeiras e nunca tinha aprendido a misturar a sério com os pratos, comprava vinil para escutar, praticamente. Decidi deixar de ser preguiçosa, aprendi a desenrascar-me a misturar, e em pouco tempo convidaram-me para a minha primeira actuação, em Viseu, num bar. Sete anos depois, aqui estou. E estou finalmente a começar a sentir que percebo alguma coisa do assunto. Não é uma história nada glamourosa ou espectacular, a do meu envolvimento com a música. Pode-se resumir a: carolice, estudo, vontade de explorar, deslumbre.
Nos dias que correm figuras regularmente no alinhamento do Lux-frágil. O que significa para ti tocar neste espaço que tanta importância tem no panorama da electrónica nacional?
Vou ao Lux há 10 anos como cliente, não me lembro muito bem da vida antes do Lux, de todo aquele ritual… Fui a primeira a chegar e a última a sair em muitas noites, acho que até o staff do bar se devia rir daquela miúda que chegava à pista mal ela abria e ficava ali sozinha à frente. Tinha fome de Música. E fui conhecendo as pessoas, fui fazendo amigos, fui crescendo e tornando-me adulta ali e um dia acharam que me deviam convidar para pôr música no terraço, e eu fui a miúda mais feliz do mundo nesse dia. E depois disso já tive oportunidade de pôr música em todos os pisos, de abrir para alguns dos meus DJs favoritos e de fazer back to backs com vários residentes que são, novamente, heróis pessoais e figuras de referência. Pôr música no Lux pra mim é maravilhoso, tens todas as condições técnicas, uma equipa de trabalho incrível, e isto parece demasiada “graxa” mas é o que acho, é o que é. Tenho tido a oportunidade de tocar regularmente nos últimos meses e fico contente pelo reconhecimento do meu trabalho, creio que se me voltam a convidar é porque devo estar a fazer algo de forma minimamente correcta. Cada vez que lá vou é uma oportunidade de adquirir conhecimento, com todo o tipo de desafios que é proposto. Desde tocar 6h no terraço, fazer uma abertura do bar ou a hora de ponta de sábado na discoteca, sem falar dos back to backs que é uma situação com a qual, por insegurança, nunca estive muito à vontade, mas agora percebi que pode ser muito divertida.
Não faço parte da equipa de residentes portanto não sei o que o futuro guarda, mas os programadores sabem que podem contar comigo e espero poder continuar a dar Música em Santa Apolónia – tal como em todas as pistas que me queiram escutar.
Além de DJ, também produzes a tua música original. Ao longo dos anos que se têm passado, lançaste poucos (mas bons) temas que deixaram as pessoas que seguem o teu trabalho na expectativa de nova música com a tua assinatura. Um EP da tua autoria está num horizonte próximo?
Tenho N originais na gaveta, qualquer dia já não chega um EP. Mas a culpa é minha, nunca tive disciplina a produzir, não me satisfaço com o que crio, ou acabo guardo e pronto, não mostro a ninguém. Não faço ideia de como se edita música, tudo o que editei foi por convite de editoras ou autores que me procuraram para remisturar. Não sei como é o processo de enviar temas para editoras, não saberia como ou onde começar, sequer como me apresentar. Aceitam-se sugestões!
Quais são os projectos em que estás envolvida actualmente? Onde te podem ouvir nos próximos tempos?
Em 2018 avanço com a Trémula que é um projecto de editora que tenho com o Pedro Coelho (Mauno Koivisto / Cindy) e que visa um bocado quebrar com, com o que considero serem algumas politiquices que estão envolvidas demais na música hoje em dia. Queremos editar boa música e ter a editora para isso, não para termos nós mais visibilidade, ou fazermos festas e tocarmos mais (nunca fiz uma festa na vida mas obviamente isso não está excluído dos planos), pegarmos em temas quentes e associarmo-nos a activismos extra-música ou para dizermos que somos portugueses e estamos a fazer… tenho um bom amigo que costuma dizer que nada está acima da Música e esta é um bocado a nossa filosofia. Queremos boa música venha donde vier, oferecer alguma, vender alguma, fazer podcasts para mostrarmos a dos outros. Não queremos ser um “colectivo de artes” como está muito na moda dizer que se é, queremos ser low profile – enquanto pessoas por detrás do projecto – e… let the music play.
Continuo com os meus podcasts “Paraísos Artificiais” que são muito na onda deste que gravei para a Stratos. Mas deu-me um gozo muito especial gravar este, foi cuidado e de coração e acho sinceramente que é melhor que qualquer “Paraísos…” que já fiz. Gosto muito de sair da música de dança e respondi a este convite assim, sinceramente, estou mais que satisfeita com o resultado. É-me especial, espero que também o seja para os ouvintes embora perceba que não é um formato fácil de encaixar e que as pessoas podiam esperar outra coisa.
Depois disto tenho já datas no Lux em Janeiro (para onde continuo a escrever sobre artistas, coisa que muito prazer me dá e desafia) e algumas coisas marcadas para o Norte. Estou com a Strings que é a minha agência e quem me quiser levar a tocar por aí pode contactar booking@strings.pt – “shameless plug” para fechar!